Em teoria, seria impossível Arnold Schwarzenegger se tornar um astro. De sobrenome impronunciável e sotaque incompreensível, o fisiculturista de um vilarejo da Áustria não teria, a princípio, a menor chance em Hollywood.
Schwarzenegger, por sua vez, nunca deu muita bola para as regras. Chegando agora aos 75 anos, ele venceu como atleta, conquistou o cinema, tornou-se empresário de sucesso e chegou a governador da Califórnia. Tudo isso alimentando o melhor personagem que ele pode conceber: ele mesmo.
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Tudo que precisamos saber sobre Arnold já estava bem registrado no documentário “Pumping Iron”, dirigido em 1977 por George Butler em Robert Fiore. Ao mostrar a rivalidade de Schwarzeneger com o fisiculturista Lou Ferrigno pelo título de Mr. Olympia, o mostra como a personalidade do austríaco, uma mistura de determinação, bom humor, sarcasmo e bravatas, lhe colocou sempre um passo à frente de seus pares.
'Pumping Iron – O Homem dos Músculos de Aço' Imagem: Reprodução
Lançado aqui como “O Homem dos Músculos de Aço”, “Pumping Iron” foi um ponto de virada para Schwarzenegger. Ele já havia molhado o dedo no cinema com o pavoroso “Hércules em Nova York”, e conseguiu um papel de coadjuvante em “O Guarda-Costas”, de Bob Rafelson, basicamente como uma versão romantizada de si mesmo.
O mundo, porém, enxergou o verdadeiro Schwarzenegger em “Pumping Iron”, e as portas que estavam entreabertas foram escancaradas para acomodar sua figura imponente. Logo, ele passou a circular entre a elite hollywoodiana, uma figura exótica em festas e premiações, o sujeito falastrão de personalidade maior que a vida.
Milionário antes dos 30 com seu ótimo faro para negócios, Arnold traçou para si a meta do estrelato ao controlar sua própria jornada. Ele ignorou as vozes que lhe diziam para mudar seu nome, para modificar sua abordagem, e entrou de cabeça erguida no projeto que faria dele um astro: “Conan, o Bárbaro”, de 1982.
'Conan, o Destruidor' Imagem: Fox
O sucesso do filme de John Milius mostrou que Schwarzenegger estava certo no caminho que estava trilhando. Ele voltou ao bárbaro em “Conan, o Destruidor”, e fez exatamente o mesmo papel, mas com um personagem batizado “Kalidor”, em “Guerreiros de Fogo”.
Foi na mesma época em que ele topou, contrariando as orientações de seus agentes, ser o vilão em uma ficção científica de um cineasta iniciante. “O Exterminador do Futuro”, de James Cameron, não só consolidou o status ascendente do austríaco, como cravou seu segundo papel emblemático nos anos 1980.
O mundo, então, rendeu-se a Arnold Schwarzenegger. O cinema B global passou a desovar clones de Conan e do Exterminador com velocidade impressionante. Todos queriam descobrir o próximo fortão carismático com cara de super-herói de gibi que fosse capaz de carregar um filme nas costas. Tarefa difícil: ele era único.
'O Exterminador do Futuro' Imagem: Fox
A partir daí, cada passo de Schwarzenegger foi calculado para ampliar seu público além da bolha de ação. Sim, ele fez John Matrix em “Comando Para Matar”, praticamente um personagem de gibi em carne e osso. Mas emendou com a mistura de terror e ficção científica “O Predador” e em seguida arriscou uma com “Irmãos Gêmeos”.
Até o fim dos anos 1980, Schwarzenegger construiu sua imagem de astro de cinema trabalhando com suas limitações. Ele não convencia como o homem comum, como Harrison Ford. Não trazia a estampa de galã de Tom Cruise. Também não possuía dotes dramáticos como Robert De Niro ou Jack Nicholson ou Tom Hanks.
Em compensação, Arnold entendia que sua persona era maior do que qualquer papel. Podia ser um policial traído em “O Sobrevivente”, um policial russo em “Inferno Vermelho” ou um policial disfarçado em “Um Tira no Jardim de Infância”: todos funcionavam por não esconder que eram um recorte Schwarzenegger. Quaid em “O Vingador do Futuro”? Totalmente Schwarza, bordões em tudo.
'O Vingador do Futuro' Imagem: TriStar/Carolco
Os anos 1990 consolidaram o poder de Arnold Schwarzenegger como o maior astro do planeta. O gatilho foi um fenômeno. Em 1991, ele retomou a parceria com James Cameron em “O Exterminador do Futuro 2”, que se tornou o maior filme do ano e uma das obras mais importantes do cinema moderno.
A virada do personagem vivido por Arnold em “T2” – de vilão imbatível, o ciborgue assassino passa a herói valoroso – foi reflexo do gerenciamento da própria imagem do ator. O filme solidificou seu status, coroando uma carreira até então sempre em ascensão.
A queda não tardaria, e veio dois anos depois com “O Último Grande Herói”. O filme de John McTiernan talvez tenha sido o último projeto executado em uma estrutura ancorada no nome do astro e nos dólares injetados na empreitada. Arquitetado como uma paródia do cinema de ação abraçado por Hollywood, a aventura deixou o público confuso e terminou atropelada por “Jurassic Park”.
'O Último Grande Herói' Imagem: Sony
O fracasso de “O Último Grande Herói” não chegou a abalar a carreira do astro, que tratou de reatar a parceria com James Cameron mais uma vez na comédia de ação “True Lies”, de 1994. O papel de ícone do gênero, porém, já começava a pesar para Schwarza, que já tinha aspirações políticas.
Nenhum filme depois de “True Lies” deixou uma marca em sua filmografia. Se “Júnior”, “Queima de Arquivo” e “Um Herói de Brinquedo” foram projetos inofensivos, foi com “Batman & Robin” que Arnold voltou aos holofotes.
Primeiro pelo salário de US$ 25 milhões, um dos maiores cheques pagos a um ator à época. Segundo porque, apesar do desastre criativo completo do filme de Joel Schumacher, Schwarza sais sem maiores arranhões. Pudera: com uma avalanche de bordões e um senso de humor ácido, entendendo a bobagem que era o filme, em “Batman & Robin” Arnold foi 100 por cento Arnold.
'Batman & Robin' Imagem: Warner
Uma cirurgia cardíaca colocou o astro em pausa forçada em 1997, e seu retorno dois anos depois com “Fim dos Dias” não foi seu momento mais inspirado. Ele parecia estar apenas preenchendo seu tempo com esquecíveis como “O 6º Dia” e “Efeito Colateral”, antes de retomar seu personagem mais emblemático no terceiro “O Exterminador do Futuro” em 2003.
Foi o momento em que Arnold Schwarzenegger também promoveu uma virada radical em sua vida. O astro de cinema saiu de cena, e em seu lugar entrou o político, quando ele assumiu o governo da Califórnia primeiro em um mandato tampão, sendo posteriormente eleito para um termo completo. Não importava a roupagem, era Arnold, o sujeito maior que a vida, mais uma vez sob os holofotes.
Como governador, Schwarzenegger implementou medidas aplaudidas, outras mais polêmicas, mas sempre como um político liberal, defensor de causas ambientais e muitas vezes entrando em choque com seus colegas republicanos. Ainda assim, ao fim de seu mandato seu índice de aprovação era baixíssimo. Apesar da sugestão que ele seguiria na vida pública como candidato ao senado, Arnold encerrou seu papel como político em 2011.
Arnold Schwarzenegger em campanha para o governo da Califórnia Imagem: Steve Yeater/AP
Seu retorno aos filmes foi tímido, e nunca alcançou os picos de seu auge. Schwarza foi coadjuvante para Sylvester Stallone na trilogia “Os Mercenários” e também no thriller “Rota de Fuga”, de 2013 – mesmo ano em que ele encabeçou o modesto “O Último Desafio”.
Nem seu retorno como o ciborgue T-800 em mais dois filmes da série “O Exterminador do Futuro”, em 2015 com “” e em 2019 em “Futuro Sombrio”, o recolocaram no patamar que ele experimentou em seus dias de glória. Schwarzeneger, entretanto., parece estar tranquilo com esse cenário.
Até porque seus interesses, na América pós Trump, são outros. Depois de um divórcio complicado, finalizando 25 anos de casamento com Maria Shriver, Arnold dedica-se à defesa de causas ambientais e outras questões políticas, em especial contra a ascensão da extrema direita e o negacionismo à Covid-19.
'O Exterminador do Futuro: Destino Smbrio' Imagem: Fox
Seu foco principal, entretanto, parece ser o Arnold Sports Festival, uma competição multi esportiva anual na qual se destaca o Arnold Classic, um torneio de fisiculturismo. Com edições em todo o mundo, inclusive no Brasil, o evento marca a contribuição de Schwarzenegger para a prática que lhe equipou com os meios de, décadas atrás, deixar a Áustria para abraçar fama e riqueza nos Estados Unidos.
É curioso que Arnold Schwarzenegger tenha escolhido o fisiculturismo para fechar um ciclo em sua vida. O que não causa absolutamente nenhuma surpresa, porém, é um evento global, hoje o segundo de maior prestígio em sua categoria, ser batizado com seu nome. Schwarza, afinal, sempre foi o seu melhor personagem.