‘E.T.’, de Spielberg, faz 40 anos e volta arrancando choro e unindo gerações
Em maio, durante o Festival de Cannes, o filme foi exibido numa sessão especial, aberta ao público, que ficou horas numa longa fila que contornava a praia
Por Folhapress Publicado 03/11/2022 Foto: Reprodução
“Eu estarei bem aqui”, diz o alienígena de “E.T.: O Extraterrestre” no momento mais comovente do filme, apontando o longo e brilhante dedo para a testa de seu amigo humano, Elliott. Quarenta anos depois, a criatura cumpriu a promessa e encontrou lugar cativo na memória de muita gente.
“E.T.” é um daqueles raros filmes que podem ser vistos e revistos, por diversas pessoas e em diferentes épocas, sem jamais perder seu poder de encantamento. É a síntese perfeita do cinema de Steven Spielberg, diretor que lançou as bases para o blockbuster moderno e criou um sucesso avassalador de bilheteria -mas com coração.
Talvez seja por isso que, ainda hoje, o longa mantenha seu frescor. Na atual era de blockbusters sendo descarregados aos montes nas salas de cinema, é difícil encontrar um filme que, por trás dos orçamentos gordos e efeitos especiais pomposos, seja capaz de se conectar de forma tão sincera e íntima com o espectador.
Até hoje, “E.T.” não encontra obstáculo para isso. Em maio, durante o Festival de Cannes, o filme foi exibido numa sessão especial, aberta ao público, que ficou horas numa longa fila que contornava a praia. Ao lado deste repórter, uma mulher estava acompanhada por duas crianças, entre os cinco e dez anos. Mãe e filhos riam e choravam nas mesmas cenas.
Quando o alienígena pareceu estar morrendo, o menino se jogou no colo da mãe, abalado, se debulhando em lágrimas. Até que o peito da criatura brilhou num vermelho intenso, levando o francesinho a repetir a fala que Elliott diz em cena, em seu idioma -“il est vivant!”, “ele está vivo!”.
A cena da vida real é prova de que “E.T.” não tem idioma ou idade, gênero ou país. E volta aos cinemas para ser apresentado a uma nova geração, na mesma versão remasterizada exibida em Cannes e agora ajustada para as salas Imax, em comemoração do aniversário de 40 anos.
Também foi no Festival de Cannes, em 1982, que o original estreou, fora da competição, mas já sendo coberto de elogios. Ele teria uma passagem avassaladora pelas salas mundiais, mantendo por uma década o título de maior bilheteria da história e conquistando uma das cinco indicações ao Oscar de melhor filme, apesar de seu caráter despretensioso e familiar.
Venceria quatro estatuetas -melhor som, mixagem de som, trilha sonora e efeitos especiais-, mas não sem arrancar de Richard Attenborough, que recebeu o prêmio principal por “Gandhi”, a declaração de que “E.T.” deveria ter vencido, por ser “inventivo, poderoso e maravilhoso”.
Attenborough, então, se tornou amigo de Spielberg e estrelou seu “Jurassic Park”, que tomaria o título de recordista nas bilheterias 11 anos depois.
Com tanta projeção, o extraterrestre solidificou, ao lado de “Star Wars”, a relação de Hollywood com a indústria do licenciamento -algo um tanto restrito à Disney até então- e fez de seu protagonista marrom o brinquedo mais vendido no Natal daquele ano de 1982.
Spielberg tornou carismático um ser enrugado, marrom, de olhos esbugalhados, com pescoço tão esquisito quanto o formato de sua cabeça e, como acredita Gertie, personagem de Drew Barrymore, com pés estranhos. Ao lado do compositor John Williams, criou memórias cinematográficas inapagáveis, embaladas por uma trilha que, sozinha, já comove.
Há quem critique o cinema do americano justamente por seu lado comercial. Mas nenhum dos filmes de Spielberg até aqui deixou de ter algum tipo de ambição artística. A porção capitalista é como um bônus e, em Hollywood, ninguém escapa disso se quiser garantir orçamentos suficientes para verdadeiros espetáculos cinematográficos -marca registrada do cineasta.
Mal sabiam os críticos dos anos 1980, aliás, que quatro décadas depois teriam de lidar com filmes que, esses sim, parecem concebidos inteiramente para vender bonequinhos, da Marvel à DC, de animações da Disney em carne e osso a sequências que estão décadas distantes de seus originais.
“E.T.”, ao contrário, deu origem a um conto de fadas para os tempos atuais, misturando a pureza de “Peter Pan”, lembrado repetidamente no roteiro, à modernidade da ficção científica que ganhava contornos épicos entre os anos 1970 e 1980.
E é, para muitos, nada menos que uma adaptação da história do menino que vivia na Terra do Nunca. “Por que você não cresce?”, pergunta o irmão mais velho de Elliott a ele, em determinada cena. “E.T.” dá ao espectador a oportunidade de se rebelar contra essa provocação e, por suas duas horas, se recusar a ser adulto, a viver num mundo cheio de pragmatismo e vazio de imaginação.
É na aparente simplicidade e inocência da história que reside a complexidade e a maturidade de “E.T.: O Extraterrestre”. O filme é um clássico que, assim como Wendy passou anos esperando por uma nova visita de Peter Pan e Elliott, certamente, passou esperando por E.T., nós esperamos ansiosos por uma nova oportunidade de revisitar.
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