Nos últimos anos, o período de outono/inverno tem sido marcado por mudanças bruscas de temperatura – um padrão que tende a se repetir por conta das mudanças climáticas. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia, o inverno de 2023 foi o mais quente das últimas seis décadas, com termômetros superando os 30 °C e, muitas vezes, seguidos de um frio intenso. O fenômeno se repetiu há pouco no Rio Grande do Sul. Após dias de chuvas torrenciais, que provocaram a pior enchente da história do estado, as temperaturas despencaram e ficaram próximas a zero em muitas regiões.
Além do desconforto que sentimos na pele, essas alterações bruscas contribuem para uma cadeia de eventos que causa diversos prejuízos ao sistema imune. “A temperatura do ambiente interage bastante com a nossa resposta imunológica. Ambos os extremos – quente e frio – impactam a qualidade e a velocidade com o que o organismo vai ‘montar sua guarda’ de proteção”, esclarece o infectologista e gestor médico de Desenvolvimento Clínico do Butantan. Difuso por todo o corpo, o sistema imunológico é uma rede complexa de quase dois trilhões de células que trabalham em conjunto para identificar, capturar, apresentar e reagir aos agentes invasores.
Frio, calor e oscilação térmica
Um estudo encabeçado por médicos da Harvard Medical School, nos Estados Unidos, demonstrou que as baixas temperaturas prejudicam a ação do sistema imunológico nas vias aéreas superiores, sobretudo da resposta imunológica inata antiviral – espécie de “primeira linha” de defesa, formada por proteínas receptoras que ficam de prontidão na superfície das células imunológicas para “pegar” um vírus. Isso porque é preciso uma temperatura ideal para que as reações químicas envolvidas no processo aconteçam de forma satisfatória.
“No frio, essa resposta se torna bem mais lenta. É como se tivéssemos metade do efetivo policial para guardar uma cidade inteira”, compara Érique. A partir daí, é comum o desenvolvimento de um quadro febril a fim de acelerar os processos de divisão celular, produção de hormônios e migração das células imunológicas para o local onde está ocorrendo a invasão microbiana. “A diferença aqui é que pessoas que estão com a saúde em dia e, claro, vacinadas vão ter o melhor da sua ‘artilharia’ a postos”, completa.
Já nos dias muito quentes pode ocorrer o chamado estresse pelo calor. Isso porque os mamíferos são seres homeotérmicos, ou seja, capazes de manter a sua temperatura corporal ideal, e o empenho imposto pela necessidade de regulação pode acabar comprometendo o funcionamento de vários órgãos.
De acordo com um estudo da Universidade de Tóquio, no Japão, as ondas de calor podem diminuir a capacidade de defesa do organismo contra patógenos virais. A pesquisa foi conduzida em modelos animais e mostrou que aqueles expostos à temperatura ambiente de 36 °C após oito dias seguidos produziram menos anticorpos e linfócitos contra o vírus influenza, indicando que a resposta imunitária adaptativa – quando as células orquestram respostas específicas para combater o invasor – foi gravemente prejudicada.
Além disso, os períodos mais quentes afetam a permeabilidade e a função intestinal (absorção de nutrientes), aumentando o risco de infecções. “Temos no nosso intestino a microbiota: um contingente de bactérias tão grande quanto o nosso sistema imunológico, que por meio de mecanismos químicos consegue ‘sentir’ a presença de patógenos e auxiliar em seu combate”, explica o gestor médico do Butantan.
O organismo também sofre quando dias de frio e calor extremo – ou vice-versa – se sobrepõem rapidamente. Uma pesquisa coordenada pela Universidade de Queensland, na Austrália, apontou que a variabilidade térmica aumenta o risco de morte, uma vez que o sistema de termorregulação dos seres humanos pode não responder de maneira eficiente diante de mudanças bruscas de temperatura.
As evidências mostraram que a exposição a temperaturas instáveis afeta os batimentos cardíacos, a pressão arterial, os níveis de colesterol no sangue, a vasoconstrição periférica e a capacidade do sistema imunológico de combater a invasão de agentes infecciosos, desencadeando principalmente eventos cardiovasculares e respiratórios.
Época da gripe e dos resfriados
Também é durante a temporada de outono/inverno que, tradicionalmente, acontece um aumento dos casos de infecções respiratórias. Confirmando essa tendência, no início de abril o Brasil já registrava crescimento de diagnósticos positivos para os vírus sincicial respiratório (VSR) e influenza, de acordo com o Boletim InfoGripe da Fiocruz.
A explicação para tal prevalência é multifatorial: a começar pelo fato de as vias respiratórias serem grandes “portas de entrada” do organismo, com altíssima suscetibilidade às partículas presentes no ar. Soma-se a isso a sazonalidade dos próprios vírus respiratórios – uma vez que apresentam estruturas mais instáveis diante de altas temperaturas, naturalmente há mais “oferta” de vírus como o VSR, adenovírus, rinovírus e influenza circulando no ar entre os meses de abril e setembro.
Também contribui a alta concentração urbana da população brasileira – mais de 60% das pessoas vivem em cidades, onde o ar apresenta altas concentrações de partículas alergênicas e irritantes, sendo constantemente expostos a grandes aglomerações. “Respiramos milhares de vezes por dia e escapar dessa combinação é praticamente impossível”, observa Érique.
Daí a importância de adotar cuidados preventivos que podem fortalecer a resposta do sistema imunológico. Dentre os principais, o gestor médico do Butantan destaca a qualidade da alimentação, assegurando a ingestão diária de frutas, legumes e verduras; a hidratação, por meio da ingestão de água recomendada de acordo com o peso da pessoa; e a prática regular de atividades físicas. “A boa qualidade do sono também é essencial, assim como o tratamento de comorbidades psíquicas. Quando esses pontos estão desregulados, há uma elevação de cortisol no organismo, o que ajuda a deprimir ainda mais a nossa resposta imunológica.”
Além disso, a manutenção da carteira de vacinação em dia promove a proteção individual e a imunização representa um benefício coletivo, pois limita a circulação de vírus e bactérias, prevenindo surtos e epidemias. “Boa parte das vacinas tem eficácia muito elevada contra o adoecimento e, sobretudo, casos graves – o que inclui hospitalização e até a morte, particularmente em grupos de risco, tais como gestantes e extremos de idade. Sem dúvida, os imunizantes representam a melhor proteção para o nosso sistema imunológico. Não dá para deixar de tomar”, finaliza Érique.
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